Já percebeu que os meios de comunicação social convergiram para um único fluxo contínuo de vídeos episódicos? Explico.
Quase sem perceber, já vivemos no pós-rede social. Segundo a Meta, proprietária do WhatsApp, Instagram e Facebook, mais de 80% do tempo gasto no Facebook e 90% no Instagram são dedicados a assistir vídeos de pessoas que nunca conhecemos — e não a fazer novas amizades, debater ideias ou acompanhar a rotina de amigos e familiares. A mídia social evoluiu do texto (MSN, ICQ, Nokia 3310) para a foto (Orkut, Fotolog), da foto para o vídeo (smartphones, Facebook), e agora do vídeo para o fluxo contínuo (streaming) de qualquer conteúdo que não exija interação (TikTok, Stories, Shorts). A moda deixou de ser trocar ideias; agora basta visualizar e dar like.
Nem puxamos a ponta da orelha esquerda, e os podcasts já viraram programas de TV. Criado como uma “rádio pública” da Internet — barata, acessível, democrática — o formato foi pensado para quem tinha algo a dizer, mas tinha não estrutura de produção. Porém, o consumo de podcasts em vídeo cresceu vinte vezes mais rápido que o de áudio. Para ter ideia, 94% das visualizações do YouTube para esse conteúdo vêm de apenas 4% dos vídeos — geralmente aqueles com alto investimento envolvido.
E antes que o chiclete perca o gosto, a IA já cria conteúdo infinito para nos alimentar. Apps como Vibes (Meta) e Sora (OpenAI) distribuem material 100% gerado por inteligência artificial, e em breve devem consolidar a regra 90/9/1: 90% consomem, 9% remixam e apenas 1% cria.
Se você pensou que a revolução digital decretaria o fim da TV, enganou-se. Apps como TikTok fazem “televisão” melhor do que a própria televisão. O fascínio não está no conteúdo, mas na infinitude prometida pelo algoritmo. Plataformas de streaming já orientam roteiristas a escrever histórias mais óbvias, pois sabem que boa parte dos assinantes assiste enquanto faz outras coisas (olha o celular, trabalha, estuda, cozinha ou toma banho). Sabia que a Netflix tem um gênero chamado “visualização casual”?
Mas o que a Igreja tem a ver com tudo isso?
O avanço tecnológico — aliado à maneira como o usamos — tem produzido um retrocesso nas interações humanas. A solidão aumentou e afeta não apenas você, mas toda a economia, política e sociedade. Vivemos uma era antissocial. Ninguém quer sair de casa, já que tudo chega pelo smartphone: telemedicina, remédios, comida, entretenimento, compras e até “Igreja”. E, ironicamente, ao invés de sermos Igreja fora da Igreja, já nem dentro dela queremos estar. Algo está errado.
Além disso, há décadas experimentamos o fim do pensamento profundo. Ainda há excelentes artistas e filósofos, mas o número de alunos satisfeitos em apenas “passar raspando” e criar material influenciável, que não valorizam a leitura e o pensar, é alarmante. Nesta última semana de aulas no DF, vi dois garotos alegremente rasgando seus cadernos na rua, como se estudar fosse sentença de morte, e não caminho de crescimento.
Neil Postman escreveu: “Quando tudo se transforma em televisão, cada forma de comunicação adota os valores da televisão: imediatismo, emoção, espetáculo, brevidade. No brilho de um jornal local ou de um feed indignado, o espectador se banha numa banheira do próprio cortisol.2 Quando tudo é urgente, nada é importante. A política vira teatro. A ciência vira narrativa. As notícias, performance.” O resultado? Uma sociedade que pensa em cenas, não em parágrafos.
Quando tudo vira TV, perdemos não só a competência de pensar com qualidade, mas a capacidade de meditar com humildade e temor na Palavra e enxergar o próximo como imagem de Deus, alvo do amor de Deus. Pessoas viram produtos baratos em prateleiras. Esquecemos que fomos feitos para louvar a Deus numa vida de alegre serviço como Paulo com tanta distinção se referiu em Romanos 1.1.
Não apenas passe o dedo pela tela ao ler esta pastoral. Não viva uma distração infinita. Reflita sobre sua vida com Deus.
Em Cristo,
Rev. André Dantas
NOTAS DE RODAPÉ
* Matéria base da Pastoral: https://www.derekthompson.org/p/why-everything-became-television
“Banhar-se numa banheira de cortisol” significa estar completamente imerso em estresse, como se estivesse dentro de um ambiente que constantemente ativa esse hormônio. Ou seja: a mídia não só provoca um “pico” de estresse — ela te mantém ali, mergulhado, molhado disso.